A milhares de quilómetros de casa. Os voluntários de longa duração que rumaram a Lisboa para a JMJ

Deixaram para trás o país de origem, despediram-se dos empregos, disseram "até já" às famílias e amigos. A Jornada Mundial da Juventude conta com dezenas de milhares de voluntários e são vários os que decidiram dedicar-se a essa causa a longo prazo. A RTP falou com três jovens que estão em Portugal há meses ou mesmo anos para cumprirem o que consideram um "chamamento": presenciar um encontro com Deus, ajudar o próximo e conhecer novas pessoas e culturas.

O que leva um jovem a sair da zona de conforto e atravessar fronteiras para voluntariar na Jornada Mundial da Juventude? Para Beatriz, Audrey e Bartosz a resposta é a mesma: servir os outros e alcançar uma descoberta.

Em outubro do ano passado, aos 28 anos, o polaco Bartosz decidiu despedir-se do emprego na área dos Recursos Humanos, deixar para trás o seu país e vir voluntariar para a JMJ em Lisboa. Num português quase perfeito, que foi aprendendo em pouco mais de meio ano, diz-nos que essa rápida aprendizagem confirma que está “no lugar certo e no tempo certo”.

Antes de Portugal já tinha voluntariado na JMJ em Cracóvia quase dois anos, enquanto ainda estudava. Mais tarde serviu como voluntário internacional na Jornada do Panamá, durante um ano.

A vontade de voluntariar pela terceira vez veio da “grande alegria” que é “servir os outros”. Mas também de um “compromisso” para com o próprio papa. “No Panamá, durante o encontro dos voluntários com o papa, eu dei-lhe o testemunho. No fim ele disse ‘vemo-nos em Portugal’, e agora estou aqui”, explica.

Fala ainda num “mistério” no voluntariado. “Nós estamos conscientes de que damos muito da nossa vida, que deixamos as famílias, os amigos, e é verdade. Mas, ao mesmo tempo, no final recebemos mais do que damos. É um dom multiplicado”, considera o jovem polaco, agora responsável pelos contactos da JMJ com a América Latina e o Canadá.“E servir para alguém também é uma grande alegria. Sentir esta chamada de que eu não sou só para mim mesmo, que não sou um egoísta, que vivo numa sociedade concreta. E durante este tempo, depois da pandemia e agora durante a guerra e durante tantos outros conflitos no mundo, eu posso dar-me, oferecer algo da minha vida para outros”.

Audrey, de 33 anos, foi dos três jovens quem percorreu a maior distância até Lisboa. Veio das Filipinas em novembro do ano passado para ser voluntária a longo prazo, depois de uma experiência mais curta na JMJ do Rio de Janeiro, há dez anos.

“A resposta é sempre Jesus. Ele chamou-me, atraiu-me para vir desde muito longe”, conta quando questionada sobre a motivação para a vinda. “E claro, Maria sempre me inspirou a dizer que sim. Claro que às vezes não é fácil, com todos os desafios que se atravessam no meu caminho”.

Audrey está na equipa de relações internacionais da JMJ e ajuda na gestão dos peregrinos das conferências episcopais da Ásia e Oceânia. “Gosto de me descrever como missionária a tempo inteiro, por isso não tenho um part-time. Estou completamente dedicada à missão da JMJ”, explica.

Para Audrey, o maior entusiasmo é presenciar o que considera um “encontro de união com a Igreja”. “E estou muito entusiasmada por cada peregrino que vai ter um encontro pessoal com Jesus”, em especial os que vêm de pequenos países e ilhas no Pacífico, que está a ajudar enquanto voluntária, conta a jovem.

“Sei que quando esses peregrinos vierem vão ter uma experiência maravilhosa e que, quando forem embora, vão estar mudados para sempre”, acredita.“Acho que o que mais retiro desta experiência é a maior confiança e entrega ao Senhor”, diz a filipina. “Acho que o Senhor me forneceu esta experiência para que realmente confie nele e me entregue aos seus planos com alegria, sem me queixar”.

Já Beatriz tem 29 anos e está em Portugal desde outubro de 2021. Natural do Rio de Janeiro – onde foi também voluntária na JMJ de 2013 – deixou o curso de Psicologia para se tornar missionária, há dez anos, "assim que Deus" a "chamou".

Atravessar o Atlântico era, para esta jovem, a única opção. “Onde nós temos a experiência que marca a nossa vida, nós desejamos que o outro também experimente. Vir aqui à Jornada Mundial da Juventude é transbordar aquilo que eu experimentei”, explica.

“Todos os jovens desejam crescer. Crescer como pessoas, crescer no seu coração, nos seus anseios, e crescer nas experiências com o outro também”, diz a brasileira, que desde 2021 trabalha na angariação de voluntários para a equipa da comunicação da Jornada.

Participar na JMJ proporciona a esses jovens “uma profunda experiência com Deus”, defende. “Acho que vale a pena tudo para que uma pessoa possa ser transformada, uma vida possa ser transformada. Acredito muito que a Jornada Mundial da Juventude vai transformar muitas vidas”.

Bartosz concorda com Beatriz e Audrey quando dizem que a JMJ vai transformar vidas. “Tenho uma certeza: que este encontro vai mudar as vidas de muitas pessoas”, afiança. “É uma grande descoberta de nós mesmos, uma descoberta do irmão, e na dimensão espiritual é uma grande descoberta de Deus”.
“Despedi-me do meu emprego (…), nada podia parar-me”
O jovem polaco deixou para trás não só a família e amigos, mas também o trabalho. “Eu despedi-me do meu emprego. Terminei um projeto no qual estava envolvido na empresa e depois expliquei ao meu chefe que não ia ficar mais, que ia ajudar na Jornada, e assim foi”.

Questionado sobre se o chefe compreendeu o pedido de demissão, Bartosz admite que “não muito”. “No início tentou convencer-me, dizer que o salário é melhor lá, mais a questão da responsabilidade, que gostavam muito de mim. Mas esta decisão já foi tão clara para mim que nada podia parar-me”, vinca.

Sobre o futuro, não tem ainda certezas. “Outro voluntariado acho que não, tenho de ir trabalhar. Já deixei o trabalho para vir aqui e é a minha terceira Jornada. O Senhor sabe que vou procurar um trabalho, seguramente, talvez na Polónia, talvez aqui. Gosto muito de Portugal, vamos ver”.

À semelhança de Bartosz, também Audrey se despediu da escola jesuíta em Cebu, Filipinas, onde trabalhava como conselheira profissional de alunos do ensino secundário. “Tive de me despedir do meu emprego para voluntariar na JMJ”, conta.

Foi um choque, especialmente para o meu chefe, que é padre, até porque já estava inscrita em formações financiadas pela escola. Mas apoiaram muito esta oportunidade e foram generosos ao ponto de me dizerem que eu era bem-vinda caso quisesse regressar mais tarde”.

Sem emprego e longe das famílias, os voluntários dependem fortemente dos apoios dados pela organização da Jornada Mundial da Juventude. Recebem alojamento, alimentação, passe para se deslocarem e seguro.

“Todos os voluntários que vêm para cá são ajudados pelo Comité Organizador Local (COL) em todas as suas necessidades para que, de acordo com a disponibilidade do voluntário, possa servir a jornada Mundial da Juventude”, elucida Beatriz.

Bartosz explica, por sua vez, que alguns voluntários vivem com famílias de acolhimento e outros com padres. “Eu vivo com os padres espiritanos, que é uma congregação”, conta. Além disso, conta com uma família portuguesa que o acompanha e com quem se encontra “para falar, conhecer um pouco mais a cultura portuguesa”.
“Uma lanchonete para evangelizar”
Beatriz confessa ser “muito apaixonada por tudo aquilo que envolve a evangelização”, o que explica que seja membro da comunidade Shalom, cuja principal missão é “anunciar que Cristo está vivo”.

“E é com e para os jovens este anúncio, de forma criativa e ousada, para chegar ao coração do jovem”, explica à RTP. Fundada no Brasil há mais de 40 anos, esta comunidade usa uma estratégia peculiar para espalhar a palavra junto dos mais novos.

Se nós convidarmos um jovem para ir para uma missa, um jovem que não conhece Deus, ele talvez não queira. Mas se nós convidarmos os jovens para comer uma pizza, tomar um refrigerante, para fazer um convívio, ele aceita. No Brasil nós usamos a expressão ‘lanchonete’, então nós criámos uma lanchonete para evangelizar”.

Questionada sobre o nível de adesão dos jovens, Beatriz não dá números concretos. No entanto, diz que quando esses jovens têm nas lanchonetes “uma verdadeira experiência com Deus” é difícil deixá-lo.

Aos jovens que não sentem essa ligação, a comunidade Shalom deixa-os ir. “Muitas vezes nós deixamos, nós abandonamos, porque aconteceu alguma coisa nesse encontro, que não foi talvez um verdadeiro encontro”, explica a jovem brasileira.
As palavras aos não crentes
Para os três jovens, não há dúvidas de que os católicos vão ter uma experiência transformadora na JMJ. Mas lembram que há também espaço para quem não é crente e não vê com a mesma importância este evento.

“A JMJ é um encontro pela paz e união, e é claro que não está aberta apenas a católicos. Está aberta a toda a gente. E se alguém está à procura da verdade e da felicidade, por que não tentar procurá-las na JMJ? Podem ficar surpreendidos”, diz Audrey.

Já Beatriz defende que apenas quando “olhamos para nós mesmos” percebemos que “necessitamos de alguém a conduzir-nos”, e esse alguém “é o próprio Deus”, sendo que a Jornada Mundial da Juventude “promove este encontro com o próprio Deus”.

Mas não só. Promove também “o encontro com o outro”, o “irmão que está aqui do meu lado e aquele irmão que está do outro lado do mundo, mas passa a mesma necessidade do que eu”.

“Isso toca a nossa vida de forma pessoal, de forma comunitária também”, acrescenta. “E saber que nós não estamos sós, isso nos une e renova em nós, dá uma força e um vigor novo para construir um mundo mais justo, mais solidário”.

Bartosz espera, por sua vez, que os não crentes “tenham a coragem para levantar-se, não serem indiferentes e mudarem o mundo para que seja mais fraterno, mais justo, para que seja melhor”.

Lembra também que a JMJ “é para todos”. “Se alguém não é crente e não quer confessar a fé de Deus, não há problema. Apesar disto, está convidado para participar na JMJ, porque a JMJ tem também valores universais. O valor do conhecimento de outra cultura, das outras pessoas”, afirma, acrescentando que se podem construir amizades entre crentes e não crentes. “E não há problema, tenho também amigos que não são crentes”.

No início de julho, a JMJ contava com 32.717 jovens voluntários com processo de inscrição iniciado, dos quais 22.282 já tinham o processo completo. São oriundos de 143 países, com uma média de idade de aproximadamente 30 anos.